Autoridade e Serviço – O aparente mas inexistente paradoxo do Reino
A ideia central da citação evoca uma tensão teológica rica, a autoridade que provém do serviço. Na tradição bíblica, especialmente no Novo Testamento, o conceito de autoridade é redefinido pela vida e ensinos de Jesus Cristo. O modelo humano de autoridade geralmente está associado ao poder, controle e domínio. Contudo, Jesus, o Rei dos reis, nos apresentou uma autoridade fundamentada no serviço abnegado e no amor sacrificial.
Em Marcos 10:42-45, vemos claramente esse princípio quando Jesus afirma:
Sabeis que os que são considerados governadores dos gentios, exercem domínio sobre eles, e os seus maiorais exercem autoridade sobre eles. Mas entre vós não será assim; antes, qualquer que entre vós quiser ser grande, será vosso serviçal; e qualquer que entre vós quiser ser o primeiro, será servo de todos. Porque o Filho do Homem também não veio para ser servido, mas para servir, e para dar a sua vida em resgate de muitos.
Jesus, desse modo, redefine o conceito de grandeza e autoridade: o maior é aquele que serve. O serviço torna-se, então, uma expressão de autoridade, não pelo poder de subjugação, mas pelo poder do amor e da compaixão. O serviço é a manifestação de uma autoridade que imita a Cristo.
Ademais, ao afirmar que “no dia que você exercer a autoridade de servir seus irmãos, você vai ter pedras para matar seus gigantes”, o texto também sugere que é no serviço fiel e comprometido que Deus provê os recursos para enfrentar os desafios da vida.
Aqui, a metáfora das pedras nos remete ao episódio clássico de Davi e Golias. No relato de 1Sm 17, Davi, ainda jovem e aparentemente despreparado, enfrenta o gigante Golias com apenas uma funda e cinco pedras. O que diferencia Davi dos demais soldados israelitas é sua confiança inabalável em Deus e sua experiência no serviço humilde de cuidar das ovelhas de seu pai. O serviço anterior aparentemente desprovido de qualquer importância de Davi como pastor, simplesmente o preparou para esse momento de grande desafio.
Assim, no contexto teológico, “ter pedras para matar seus gigantes” significa estar preparado, por meio do serviço fiel, para vencer os obstáculos gigantescos que surgem em nosso caminho. A provisão divina (as pedras) é liberada quando a pessoa caminha em obediência e humildade, servindo aos outros com integridade. O serviço torna-se o campo de treinamento onde Deus forja o caráter, a fé e a coragem.
Na teologia cristã, o serviço não é opcional, mas um chamado de todos os discípulos de Cristo. A verdadeira autoridade espiritual não vem da posição, da fama ou da reputação, mas do coração de servo. O apóstolo Paulo nos ensina em Filipenses 2.5-7:
De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens.
Cristo exerceu Sua autoridade ao esvaziar-se e servir. Da mesma forma, quando seguimos esse modelo, Deus nos capacita, concedendo-nos “pedras” – que podem representar dons espirituais, sabedoria, coragem, discernimento – para enfrentar e vencer os gigantes que surgem em nosso caminho.
Os gigantes podem ser compreendidos como representações simbólicas dos obstáculos e desafios que encontramos em nossa jornada cristã. Esses gigantes podem se manifestar de diferentes formas: batalhas espirituais, lutas emocionais, provações financeiras, enfermidades físicas ou resistências ao nosso ministério.
Assim como Davi enfrentou um inimigo que parecia invencível, nós, como servos de Cristo, muitas vezes encontramos situações que parecem estar além de nossa capacidade. No entanto, a promessa implícita no texto é que, ao exercermos a autoridade do serviço, Deus nos capacita e nos equipa para derrubar esses gigantes.
Em síntese, a mensagem subjacente no texto evoca uma verdade teológica central, a autoridade do crente está intrinsicamente ligada ao serviço aos outros. Aquele que serve fielmente seus irmãos está em sintonia com o coração de Deus e, por isso, recebe as “pedras” necessárias para superar os desafios e adversidades.
Em termos práticos, o serviço autêntico e genuíno não é apenas uma função ou uma obrigação, mas é um meio de capacitação divina. Ao imitar Cristo, que exerceu Sua autoridade servindo, nós nos tornamos participantes da Sua vitória, não somente sobre os gigantes exteriores, mas também sobre as batalhas internas de nosso próprio coração.